O número de indígenas que vivem nas cidades é cada vez maior. Essa tendência já havia sido apontada por um estudo da Agência para Habitação das Nações Unidas (ONU-Habitat) de 2010 que justificou, entre outros pontos, a busca por melhores oportunidades, e elencou como principal desafio dos povos indígenas que migram para as cidades a garantia do direito à moradia.
Na região do Grande Nova Lima, 268 famílias das etnias Terena, Guarani, Kadiwéu e Kinikinawa, residem na Aldeia Água Bonita que há três anos começou a superar esse desafio. Isso porque as casas de alvenaria têm substituído os barracos de lona que abrigavam as famílias. Até agora, 79 moradias já foram construídas e entregues com recursos estaduais e do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR).
Há um ano Ana Paula Portoventura, 34 anos, deixou o barraco de lona firmado com pedaços de madeira, para morar na nova casa junto com o marido e os quatro filhos. “Agora estamos num lugar seguro, temos um chão melhor, não corre vento, não tem goteira na casa pra molhar enquanto a gente tá lá dormindo”, lembra enquanto molda o cimento dentro dos moldes.
Casada com um terena, Rosangela Silva dos Santos, de 36 anos, compartilha o mesmo sentimento da colega de trabalho. “Também estou há um ano na casa nova. Antes era bem dificultoso, a vida hoje é muito melhor pra gente e pras crianças”, afirma.
Além das casinhas já entregues e que transformaram a realidade de 79 famílias, mais 43 unidades estão em fase de licitação pelo Governo do Estado, e já despertam a ansiedade de quem espera. “Ah, eu falo pra todo mundo que não vejo a hora de pegar a chave da minha casinha nova e ter uma casa boa pra ficar com as crianças. Porque é muito difícil pra gente que ainda mora no barraco. Principalmente em tempo de frio, a gente não aguenta. Na chuva também, desde o começo já perdi todos os meus móveis, molhava tudo. Não vejo a hora sabe? Tô muito ansiosa por esse dia. É o sonho da gente ter nosso cantinho arrumado”, conta Floristela Samuel, de 35 anos.
Aos poucos o cenário ao redor da aldeia vem sendo transformado, seja por programas de governo ou por iniciativas idealizadas pelo cacique Alder Romeiro Larrea para oferecer oportunidades iguais para todos sem deixar de lado as tradições. “A horta é o coração da nossa aldeia, ela faz tudo. Foi através dela que vieram as casas. Do dinheiro da horta surgiu a fábrica de blocos de concreto, surgiu a criação de peixes, a criação de galinhas, as plantas medicinais. Tudo isso é agregado à horta. Nenhum atrapalha o outro”, conta.
Enquanto a Agência de Habitação Popular de Mato Grosso do Sul (Agehab) se encarrega da parte burocrática da construção de mais moradias, a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer) passou a oferecer suporte técnico e mudas para a Horta da Aldeia, que conta com o trabalho de 30 famílias nos canteiros de hortaliças distribuídos numa área de 3,2 hectares. A produção é comercializada em mercadinhos da redondeza e para clientela que busca ali mesmo na aldeia.
Ativo desde setembro do ano passado, o projeto dos peixes está funcionando 100% e já rendeu cerca de 700 kg de tilápia para as dez famílias responsáveis pelos tanques. O projeto idealizado por Alder utiliza um sistema que funciona com duas bombinhas de máquina de lavar roupa que permite reutilizar a mesma água desde quando o projeto começou. “A tendência da gente é colocar a maior quantidade possível de pessoas da aldeia para se ocupar nos projetos, ter um complemento de renda ou mesmo uma fonte principal de renda”, explica.
De etnia guarani kaiowá, o vice-cacique Sr. Alexandre Arévalo de 70 anos é um dos guardiões dos saberes da medicina indígena na Água Bonita. No mesmo lote onde cria galinhas e possui alguns canteiros de alface e couve, ele cultiva um viveiro de plantas medicinais, que conta com mais de 2 mil espécies, e são comercializadas conforme a demanda de pessoas e até profissionais de saúde que o procuram. "Vem muita gente em casa, inclusive doutores. A gente tem muita entrevista com médicos que querem que a gente ensine eles". Sr. Alexandre sabe de cabeça o nome de cada plantinha e qual o benefício delas, e relata que algumas pessoas se livraram de doenças como câncer e bronquite, só com a medicina natural.
Fora a horta, os blocos de cimento, os peixes, as plantas medicinais, outras iniciativas devem surgir em breve, e ambas dizem respeito à preservação da cultura indígena. Junto a produção dos blocos de cimento por exemplo, já existem testes para produção de vasos de cerâmica que devem receber pintura indígena para posterior comercialização das peças.
Também está nos planos do vice-cacique, o sr. Alexandre, assim que finalizar a obra da varanda de sua casa - que chama de galpão - ele pretende reunir os mais jovens da aldeia para repassar os saberes tradicionais indígenas como dança, língua materna (quatro são faladas dentro da Água Bonita), produção artesanal de arco e flecha, e também ensinar sobre as plantas medicinais.
Alder, que está de cacique desde 2019, faz questão de manter o povo unido. “Eu fiz questão de todas as etnias terem um pouquinho desse poder dentro da comunidade, e acho que por isso está dando certo essa liderança né?”. Segundo ele, parcerias são fundamentais para o sucesso de cada projeto implantado na comunidade.
A região Centro Oeste detém a terceira maior concentração de indígenas do Brasil, sendo que Mato Grosso do Sul concentra 56% deles. São mais de 73 mil indígenas, que se dividem em oito etnias, mais de 80 aldeias abrangendo 26 municípios do estado, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2010).
A Capital de Mato Grosso do Sul, abriga o maior número de indígenas na área urbana do Estado. Conforme o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2010) Campo Grande conta com 5.657 indígenas residentes na cidade.
São 20 comunidades, conforme a Coordenadoria de Defesa das Populações e Comunidades Indígenas de Campo Grande, sendo 8 reconhecidas e documentadas e as demais são aglomerados, ou seja, não residem em comunidades.
Mireli Obando, Subcom
Fotos: Saul Schramm
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